A NOSSA VOCAÇÃO
(J.F.de ASSIS)
A
palavra vocação vem do latim vocare.
A palavra “vocação” tem sua raiz latina em vox-vocis = voz chamado, chamamento e entre
outras coisas: talento ou aptidão. A pessoa chamada se sente impelida, atraída
para aquilo a que justamente é chamada. É comum ouvir alguém que fez essa
experiência da vocação dizer que o chamado é como se fosse uma voz que ressoa
suave e insistentemente aos nossos ouvidos. É como uma ideia que insiste em
permanecer, mesmo quando queremos descartá-la. A pessoa do vocacionado se sente
atraída para aquilo que considera belo, grandioso, importante e necessário que
se faça.
A
vocação é sempre vista como algo que se pode fazer de útil para os outros, e
que é, portanto, um serviço que se pode prestar aos outros. É importante dizer
que a vocação tem sempre essa dimensão da “alteridade”, é sempre “alter”, isto
é, é sempre voltada para o outro. É um serviço, uma doação. Para nós, cristãos,
a vocação é enriquecida de um sentido profundo, que nos é dado pelo próprio
Cristo. O cristão é sempre chamado a praticar o bem e a promover a justiça,
afastando-se do mal. E tudo isso é uma vocação, é um chamado, é um imperativo
ditado pela nossa adesão a Cristo. O filósofo grego Aristóteles já dizia que o
homem é, por natureza, um animal político. Por natureza vive em “koinonìa”,
isto é, em comunidade.
Vivendo
em comunidade, nossas ações nunca são ações isoladas, elas repercutem em toda a
comunidade. Vocação sempre indica um chamado. E quem chama sempre deseja alguma
resposta da pessoa a quem chama. Deus não age de forma diferente. Só que, ao
chamar, Deus, antes de pedir Ele dá. Deus chamando o ser
humano lhe dá a vida, a existência, e com a vida, dá-lhe também a
liberdade. Depois de ter chamado o homem e a mulher para a vida, Deus torna a
chamá-los, porque há muitas coisas que Deus deseja fazer no mundo através
deles. Deus não quer mais agir sozinho. Por isso, quando Deus chama, Ele chama
para pedir alguma coisa, confiar alguma missão. O
chamado de Deus é sempre um desafio: Ao sermos chamados à vida, nos
comprometemos a cumprir uma determinada missão que todos os outros possam viver
bem. Vocação é convite pessoal que Deus dirige a cada um. Cada ser humano
tem algo de pessoal, e uma maneira pessoal de realizá-lo. Ao descobrir sua
vocação, o homem está se descobrindo a si mesmo. Daí a necessidade de
permanecer atento a tudo, para perceber sua própria vocação. Seguir uma vocação
é buscar incansavelmente uma resposta aos próprios anseios. Todo ser humano é
chamado a decidir-se, a assumir os valores descobertos em si e não poupar
esforços para alcançar os objetivos propostos.
Vocação
também implica dizer que se temos talento, tendência, jeito para desenvolver um
tipo de atividade com notória habilidade e destreza, quer dizer que temos
vocação para tal coisa. O pintor italiano Giotto, desde criança gostava de
rabiscar seus desenhos nas rochas, sobre o cotidiano do campo, na cidade em que
vivia. Ele teria começado a desenhar ainda com 12 anos, quando era um pastor de
ovelhas, fazendo desenhos em rochas. O artista Cimabue,
um dos maiores pintores da Toscana, junto com Duccio (em Siena), o teria visto desenhando uma ovelha e
pediu ao pai de Giotto para levá-lo para ser o seu aprendiz. Posteriormente,
Giotto teria pintado uma mosca no nariz de uma figura com tanta habilidade, que
seu mestre teria tentado afugentar o inseto várias vezes, antes de perceber que
se tratava de uma pintura. Seus desenhos eram tão perfeitos que ele foi
escolhido para fazer o afresco da Capela de São Pedro, em Roma, entre outras
que o notabilizaram. Giotto tinha a vocação, o talento para a pintura.
O
compositor clássico Amadeus Mozart mostrou uma habilidade musical prodigiosa
desde sua infância. Já competente nos instrumentos de teclado e no violino,
começou a compor aos cinco anos de idade, e passou a se apresentar para a realeza
europeia,
maravilhando a todos com seu talento precoce. Foi autor de mais de seiscentas obras, muitas delas referenciais na música
sinfônica,
concertante, operística,
coral, pianística e camerística. Sua produção foi louvada por todos os
críticos de sua época, embora muitos a considerassem excessivamente complexa e
difícil, e estendeu sua influência sobre vários outros compositores ao longo de
todo o século XIX e início do século XX.
Hoje
Mozart é visto pela crítica especializada como um dos maiores compositores do
ocidente, conseguiu conquistar grande prestígio mesmo entre os leigos, e sua
imagem se tornou um ícone popular. Mozart tinha um talento nato
para a música que fluía em suas veias. A vocação não é um privilégio de umas
poucas pessoas, não é não. Todos nós temos uma habilidade com a qual nascemos
só precisamos descobrir qual é a nossa habilidade, o talento com o qual fomos
agraciados por Deus quando nos formou. Algumas pessoas só descobrem a sua
vocação tardiamente, ou seja, quando já estão com a idade bem avançada.
Entretanto, descobrir uma vocação não quer dizer que temos a obrigação de
descobri-la na tenra idade ou na adolescência. O mais importante na descoberta
de uma vocação é a nossa determinação em aprimorar aquilo que descobrimos ser o
nosso talento especial.
Uma
vocação pode ser a maneira de falar com as pessoas, por exemplo. Algumas
pessoas possuem uma habilidade, um jeitinho especial de falar que desarma
qualquer um que esteja exaltado, irritado ou triste. Essas pessoas têm a
vocação de ser um discipulador, um mentoreador, alguém que tem um talento para
ouvir e ser ouvido. Algumas pessoas acabam enveredando para o campo da
psicologia, por dominar a habilidade, a vocação para ouvir e aconselhar. Mas a
vocação pode estar presente em qualquer área da vida do homem. Ela pode se
revelar na música, na dança, na escultura, na oratória, nas letras.
Um
poeta pode se descobrir poeta de uma hora para outra, sem que soubesse
realmente que poderia ser capaz de criar versos tão comoventes. Eu mesmo só fui
descobrir a minha veia poética, na Universidade, quando eu já tinha quase 40
anos de idade. Quantos pregadores da
palavra de Deus descobriram sua vocação a partir de um evento em que estavam
presentes? A vocação é a descoberta, a validação de uma vontade, a realização
de um desejo. A vocação nos impulsiona como a fé. Pois se cremos que somos
capazes, a vocação fica mais evidente e mais eficaz em nós. Conheço muitos
professores e professoras jovens, que se destacam em uma sala de aula, como se
fizessem aquilo desde há muito tempo. Alguns têm uma habilidade inconteste de
lidar com todas as situações de conflitos que ocorrem no dia-a-dia de uma
escola, não importa se estão lidando com crianças, adolescentes ou adultos.
O
sucesso em qualquer profissão ou atividade só poderá ser coroado de pleno
êxito, se o indivíduo a executar com profissionalismo e uma grande dose de
vocação. Um vendedor não será bem sucedido em oferecer um produto se não tiver
vocação para as vendas. A vocação tem de nos convencer muito antes de
convencermos alguém sobre qualquer coisa que queiramos executar. Pois se
descobrimos em que temos a habilidade necessária a executaremos com segurança e
eficácia. Um orador tem que ter a vocação para o discurso. Não se pode conceber
um orador que tenha dificuldades em manter uma platéia atenta ao que está
proferindo. Além do conhecimento daquilo que está propalando, conhecimento das
regras da língua em questão, entonação, impostação da voz e outras regras
técnicas, o orador deve ter sim, vocação para o discurso.
O
apóstolo Paulo é considerado um dos maiores oradores da Bíblia. Suas cartas
escritas às doze tribos de Israel nos fazem perceber a sua habilidade em lidar
com as palavras e as situações em que suas cartas discorriam para os seus
irmãos em Cristo. Paulo era um homem preparado culturalmente, um homem de
letras, poliglota além de cidadão romano. Paulo gozava de um prestígio,
admiração, respeito e até temor por onde quer que fosse. Ele foi escolhido pelo
próprio Jesus para difundir o Seu evangelho. Paulo tinha a vocação necessária
para ser o vaso de bênçãos que Deus iria usar para cumprir o Seu propósito
divino. Paulo sofreu humilhações, naufrágio, foi açoitado, ameaçado de morte,
prisão entre outras humilhações em nome do evangelho de Jesus Cristo. Em Rm
1:16,17 Paulo diz: “Não me envergonho do evangelho de Jesus Cristo, pois é
poder de Deus para a Salvação...”A vocação não tem nada a ver com qualquer
coisa que fazemos naturalmente. A vocação é algo que realizamos de forma
diferenciada com mais dedicação e vontade.
Nem
tudo o que fazemos pode ser aquilo que desejaríamos realmente fazer. O que
fazemos por vocação nos realiza e não nos aborrece. Quando fazemos algo movido
pela vocação somos mais criativos e mais inventivos. A vocação nos dá uma visão
mais ampla das coisas ao nosso redor. Temos um entendimento mais apurado de
tudo. A vocação nos dá a oportunidade de escolher o que queremos ser ou fazer
com mais certeza e segurança. Quando
realizamos algo movido pela vocação, somos mais propensos a não querer errar. Temos
de descobrir o que nos dá mais prazer em fazer? O que gostamos de realizar com
perfeição? O que nos incomoda que gostaríamos de fazer diferente? O que nos
impele a realizar, que nada nos impede de prosseguir? A resposta do ser
humano deve ser constantemente reassumida. Vocação é a descoberta do próprio
ser pessoal. Todo homem é chamado a aperfeiçoar a bondade que existe em seu
interior, a descobrir a sua vocação, a construir um mundo fraterno onde haja
sol para todos, vida para todos. Quando
descobrirmos as respostas para estas perguntas, descobriremos A NOSSA VOCAÇÃO.
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