UMA FOLHA
QUE CAI (J.F.de ASSIS)
A brisa soprava suave
embalando os galhos das árvores. Era como se o vento regesse uma orquestra com
seus sopros e lufadas, movendo as folhas de um lado para o outro entoando uma
canção de uma nota só por entre os vãos livres das árvores. Era um bailado
sereno como se uma bailarina estivesse no palco com os olhos cerrados apenas
sentindo a música e deixando para o corpo sincronizar com os pés o ritmo da
música.
O vento soprava em
todas as direções como se quisesse arregimentar tudo o que estivesse a sua
volta, querendo que tudo participasse da sua performance. O vento sempre faz as
suas traquinagens, desde o soprar das ondas nos mares, o mover das nuvens
criando multifacetados desenhos com os flocos de algodão, o revirar dos
cabelos, o uivar por entre as fretas de uma veneziana, até o soprar das saias
das meninas.
Mas naquele dia o vento
resolveu fazer das suas traquinagens com uma folha que se desprendia do galho
por estar amarelada e quase seca. A folha havia cumprido o seu destino e a sua
função no ramo a que pertencia. Ela fazia parte de uma equipe de respiração,
ajudando a árvore mãe a respirar o ar limpo e puro que ela ajudava a limpar. A
folha lembrava muito bem dos tempos em que era uma tenra folha verdinha e brilhante
ao nascer, ela acompanhou o nascimento e o crescimento de outras folhinhas
iguais a ela, inclusive as que foram retiradas bruscamente em uma poda. Não
tivera tempo nem de se despedir das outras irmãs, entretanto, depois dessa
poda, ela pode ver outros ramos nascendo e dando lugar a outros e outros mais
fortes onde nasciam outras folhas verdes e brilhantes como ela.
Enquanto o vento
flanava empurrando a folha em um ir e vir de um lado para o outro a vida
pululava naquele jardim. Os beija-flores pulavam de uma flor para outra, as
borboletas sentavam nos hibiscos, nas zínias e achimenes, e se lambuzavam do
pólen que se desprendia das flores. Parecia que tinham pressa em recolher o
máximo de néctar pois era uma busca incessante e frenética por entre o jardim.
Acomodado em uma forquilha entre os galhos firmes da árvore estava
confortavelmente instalado em um ninho, um columbídeo, que a tudo ignorava, a
não ser a sua obrigação de aquecer os ovinhos de seu ninho. Em outras flores,
besouros e abelhas disputavam os cachos coloridos, cada um com uma
determinação. E a folha caia embalada pela música do vento. A folha obedecia
uma trajetória, uma órbita traçada pelo vento desde o galho a que pertencia até
o chão. Aliás, no chão, outras folhas mais velhas e mais amareladas e secas
aguardavam serenas a chegada de mais uma folha, o chão assumia um colorido
variado que ia do amarelo, vermelho e marrom sobre o verde tapete gramíneo. Por
entre essas folhas rastejavam outros animais como o calango e a salamandra em
busca de algum alimento.
E a folha cumpria a sua
jornada no vazio em que caia e a vida continuava a seguir o seu curso, sob o
indiferente olhar dos passantes, até que a folha, enfim, tocasse o chão
suavemente. E a brisa soprasse mais forte varrendo-as de um lado para o outro
do jardim, misturando-as umas com as outras, agitando os galhos das árvores
para que desprendesse outra folha, dando continuidade à vida que não para no
girar do mundo, nos dizendo que tudo obedece a uma força existente na natureza.
Que a vida segue o seu curso apesar de todas as coisas, apesar do passar do
tempo e das eras. Que a vida gera vida, mesmo depois da morte, pois assim o fez
o Criador de todas as coisas.
A natureza nos diz que até uma folha que cai,
mesmo estando morta serve de alimento para a árvore mãe que irá gerar outras
folhas, flores e frutos e por sua vez darão origem a outros e assim
sucessivamente completando um ciclo interminável. Nos fazendo refletir no fato
de que todos somos importantes e capazes de gerar vida em tudo o que pensamos,
imaginamos ou intentamos fazer. Do momento em que em que a folha se desprendeu
do ramo a que pertencia, até o tocar no chão a vida se transforma, pois ela não
para por causa da queda da folha, a vida continua a despeito de qualquer
evento, mesmo quando cessa a vida, pois a partir daí, começará uma nova etapa
no plano do Criador para todo aquele que foi feito por obra de Sua vontade.
Nada do que foi criado
foi criado aleatoriamente neste mundo e fora dele, tudo obedece a um propósito.
Basta apenas que nos atentemos para o que acontece a nossa volta, e busquemos
respostas para as nossas dúvidas. É preciso prestar atenção a tudo, é preciso
entender tudo o que nos cerca é preciso prestar atenção até para UMA FOLHA QUE CAI.
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